Uma Visão Estratégica do Processo Judicial

Uma Visão Estratégica do Processo Judicial

4 216

É possível atingir altos níveis de produtividade sem se incorrer em nulidades.

A rápida incursão em alguns conceitos da gestão estratégica denuncia o distanciamento dos processos judiciais das melhores práticas de gerenciamento. A administração tem muito a contribuir com o Direito Judiciário.

Nessa breve reflexão, que tal nos restringirmos à chamada cadeia de valor?! A partir de um levantamento dos elementos que interagem ao longo do processo para a entrega jurisdicional, notaremos que muito pouco valor é agregado aos insumos, projetos e produtos de que o Poder Judiciário dispõe.

Para não parecer que fazemos uma crítica vazia ou que pretendemos revolucionar com o que já é de conhecimento corrente entre aqueles que lidam com indicadores ou apenas se dedicam a uma gestão de processos, observemos a seguinte diagramação:

cadeia_de_valor

Fonte: Martins e Marini. Guia de governança para resultados, 2010.

Há três dimensões de esforço, que são a economicidade, excelência e execução. Por esses indicadores, que servem de referencial acerca do funcionamento da engrenagem de cada serventia judicial, teremos uma avaliação do gasto mínimo sem prejuízo da qualidade (economicidade), da conformidade a critérios e padrões de qualidade (excelência) e da conformidade a regras e planos de ação (execução).

Nesse enfoque, já observamos que toda a arte da distribuição, autuação, carimbagem e numeração de laudas, abertura de conclusão, publicação de despachos e decisões etc., etc. se atém à excelência e execução. Não nos iludamos com o termo excelência; juízes e serventuários da Justiça temem a nulidade e, portanto, seu principal esforço está no fiel cumprimento das normas processuais, com uma exímia capacidade de se fazer e se rever o que foi feito segundo o passo-a-passo previsto nos Códigos e leis processuais.

Não há como se considerar que um processo ritmado pelo atendimento de regras meramente procedimentais favoreça o incremento de qualquer valor de ordem intelectual ou profissional aos atores envolvidos. Tampouco a prestação jurisdicional que será servida representará grande valor ao público.

Bons indicadores de excelência resultam nas certificações de qualidade exibidas em alguns cartórios. Em que pese toda sua propalada glória, tais certificações são próprias do modelo de administração burocrática, mais preocupado com o controle absoluto de processos e procedimentos, e bem menos atento ao controle dos resultados.

Se nos faltam dados concretos e aprofundados para tratar da economicidade, é imperioso reconhecer que a jurisdição tradicional é certamente falha em vista das três dimensões de resultado. De fato, eficiência, eficácia e efetividade não visitam com frequência a administração da Justiça.

A comparação dos recursos utilizados com os serviços prestados (eficiência), a confrontação da opinião dos jurisdicionados e seus procuradores com a satisfação desejada (eficácia) e a avaliação dos impactos produzidos na população com os objetivos pedagógicos e pacificadores que constituem a visão e missão do Judiciário (efetividade) são lastimáveis. As variáveis de custo, tempo, quantidade e satisfação não são nada positivas no histórico da Justiça.

É inconteste a importância da burocracia, com seu formalismo e procedimentos mecanizados. Sem dúvida, a banca única, a padronização do serviço cartorial e a impessoalidade do atendimento venceram o clientelismo, o tratamento da coisa pública com barganha, o amadorismo que pisava sobre o conhecimento técnico-profissional.

Todavia, é urgente a adoção de um método gerencial, menos rígido, mais atuante diante dos problemas sociais, desapegado à autoridade da lei, que se reflete muitas vezes no autoritarismo de seu intérprete oficial ― também conhecido por Meritíssimo, o Excelentíssimo Doutor Juiz.

O Judiciário se esmera nos esforços, mas peca nos resultados. Naturalmente, o desempenho é coxo de uma perna!

Seriam muito bem vindos cursos de gerenciamento aos juízes. Inteligência, têm de sobra; só lhes falta algum glamour empresarial para moverem os processos com eficiência.

Passos tímidos são os que sofregamente se firmam no chão. Os juízes já dispõem de valioso poder gerencial; carecem mesmo é de uma visão estratégica. Os princípios que orientam os processos em trâmite nos Juizados Especiais são fabulosos! A simplicidade, informalidade e celeridade permitem a realização de audiências conjuntas de inúmeros processos que guardem em comum o fio da mesma causa de pedir.

Não nos referimos aos mutirões de audiências de conciliação, que reúnem na mesma pauta processos que guardam em comum apenas uma das partes. Sem preciosismo ao tecnicismo das causas de modificação da competência (conexão ou continência), de um só roldão poderiam ser solucionados inúmeros litígios. Bastaria a simples técnica da catalogação das matérias discutidas em cada demanda e seu agrupamento por semelhança.

Pelo princípio da instrumentalidade das formas (arts. 154, 244 e 249, § 2º, do Código de Processo Civil; e art. 570, do Código de Processo Penal), não há razão para que a nulidade seja tão temida. A título meramente ilustrativo ― entendam bem! ―, o processo pode seguir em carreira até chegar a momentos estratégicos, em que haverá a intimação das partes para tomarem conhecimento dos atos até então praticados. O saneamento do processo, estabelecendo o fim da fase postulatória e instaurando a instrutória, e o proferimento da sentença são os “pontos altos” do processo, demarcando o instante ideal de tornar públicas as decisões proferidas, oportunizando os recursos cabíveis.

Ainda há muito a explorar. Basta abandonar a perspectiva de se manterem os meios existentes à custa dos mesmos resultados ineficientes. É preciso encontrar os meios corretos para se atingir os resultados reclamados pela sociedade. É possível atingir altos níveis de produtividade sem se incorrer em nulidades.

Jurista, articulista e cronista jurídico. Pensador nas horas vagas.

4 comentários

    • Meu grande amigo Márcio, os deuses não se consultam! Apenas expedem ordens!
      Ainda precisamos de muitos hashtags juiznaoedeus para que façam alguma consulta ou aceitem o conselho que for!
      Dizem por aí que, em geral, quando marcam consultas médicas, os juízes comparecem ao consultório com seus respectivos secretários. Toda vez que recebe uma orientação ou prescrição medicamentosa, o juiz ordena que o médico se dirija a seu secretário como se este fosse o paciente.
      O juiz então assiste a consulta com um sorriso no canto dos lábios, determina a seu secretário que se cuide melhor e manda que o esculápio não seja arbitrário nem caprichoso nas suas recomendações.
      Enfim, afirma-se competente para o exercício da jurisdição sobre a cena patética e julga o episódio como um crítico de teatro satisfeito por contribuir com a evolução das artes!
      Rsrsrsrsrsrsrsrs

Deixe um comentário para D. Menezes Cancelar resposta