Arquivos anuais2014

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O caso nem nos parece tão curioso ou absurdo, diante de outras tantas loucuras que vemos diariamente por aí, mas a sentença merece um quadro com moldura de ouro. Uma decisão de educação social.

A tinta azul da caneta do Juiz acabou com vergonha rubra do dono da melancia.

1. Caso melancia
Justiça: Penal
Direito discutido: furto
N. processo: autos nº 124/03
Localidade: Palmas/TO
Nome do juiz: Rafael Gonçalves de Paula
Instância: primeira- 3ª Vara Criminal da Comarca
Ponto relevante da decisão: decisão contra a lei, o juiz não aponta fundamentação legal

DECISÃO
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados.
Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás. Intimem-se
Palmas – TO.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito

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Dor, vexame, humilhação, constrangimento… Empregamos essas palavras com destreza na descrição do dano moral. Mas nunca foram tão adequadas para exprimir o que os brasileiros sentimos desde a última terça-feira, somado ao quarto lugar com sabor de laranja azeda! Na fatídica tarde daquele dia, foi arremessado do espaço um granito sideral, de dimensões colossais, causando a extinção do orgulho do brasileiro. Nosso futebol, que exerceu longo predomínio sobre os gramados da Terra, chegou à extinção!

A telemática nos propiciou ao vivo, a cores, em High Definition, a visão apocalíptica do fim da era das manobras fantásticas; da exuberância plástica e funcional da “bicicleta” de Leônidas da Silva; do divino gênio da bola encarnado em Garrincha — gols certos por pernas tortas! —; das explosões de força e talento do rei absoluto Pelé — a definição mais completa de futebolista! —; do “elástico” preso à bola pela chuteira esquerda de Rivelino; do pequeno grande Romário, o homem-gol moderno; da representação nos campos da mitológica Fênix na pessoa do primeiro Ronaldinho; do futebol frenético do segundo Ronaldinho — pés ligeiros, olhos que veem além, balançou a rede como ninguém! —; do ciclismo invisível das “pedaladas” de Robinho; do flow bailado e gingado do Neymar; dos inúmeros jogadores extraclasse que pareciam comuns fora dos estádios e se revelavam mutantes X-Men diante dos adversários!

Quando as “ondas renovadoras” do acesso à justiça foram difundidas pelo mundo, era pouco provável que o seu idealizador, o italiano Mauro Cappelletti, tivesse em mente que a segunda onda, representativa do embrião da tutela coletiva dos direitos, traria um recado para a maior prática desportiva do planeta. Não havia mais espaço para processos individuais que automatizam os juízes na tarefa de exímios enxugadores de gelo, como não há mais lugar para o espetáculo das individualidades sobre gramados povoados por 22 jogadores…

Em todos os setores e segmentos, sob todos os ângulos e prismas, o ser humano é coletivo, social, conectado com iguais e desiguais, em troca permanente de passes longos ou curtos, tabelas rápidas ou lançamentos, da defesa ao ataque, atravessando o meio de campo, com volante ou armador… Esfregando os olhos para enxergar as menores partículas, vemos que essa é a realidade estabelecida em toda Natureza: a cada dia se descobre que a matéria mais elementar é o resultado da associação de outras ainda mais primárias… Assim foram conhecidos os átomos, mais tarde partidos em prótons, nêutrons e elétrons; seguidos dos quarks, léptons, glúons; até se chegar aos fótons ou bósons, as “partículas de Deus”… Apenas o início da sondagem da coletividade em escala nanométrica em direção ao infinitesimal…

Resistimos o quanto pudemos, trombamos como um goleador sem habilidade, mas a democracia, enfim, alcançou os palcos verdejantes para inaugurar o que Rosseau e Gramsci já anunciavam como videntes da Ciência Política. A “vontade geral” ou “vontade coletiva” prevalecerá na formação de uma nova ordem, também constituída de uma necessária reforma intelectual e moral.

Podemos concluir que assistimos a mais branda e silenciosa das revoluções, em que o jurássico individualismo cede para o nascente coletivismo popular brasileiro? Será que as lágrimas derramadas com as derrotas em campo regarão a semente da metamorfose do Brasil ? O país continental, pleno de riquezas naturais, cujas fronteiras são as linhas bem traçadas de um coração que pulsa emoção e compaixão, que acolhe sem distinção, cumprirá sua missão? O dano moral que abateu o grupo miscigenado de indígenas, portugueses, africanos, imigrantes, perseguidos, exilados, apátridas obterá como “autoindenização” o despertamento da alma vitoriosa de um só povo, da adormecida nação brasileira?

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Após a euforia com a Copa do Mundo de Futebol ― apagada a baldes com gelo! ―, é de bom tom nos situarmos no ano de importantes definições políticas para o Brasil. E as peripécias dos candidatos a representante do povo pululam hiperativas às vésperas das eleições. É uma época em que a improbidade administrativa anda alegre pelas ruas e os crimes eleitorais são vistos em dias de festa!

Um belo exemplo disso está registrado na sentença proferida em 3 de fevereiro de 2012 pela juíza eleitoral Maria Adelaide Monteiro de Abreu, da 54ª Zona Eleitoral do Estado de Pernambuco. Com efeito, a Representação Eleitoral nº 38-81.2011.6.17.0054, ajuizada por João Gonçalves Neto em face de José Edson de Souza, terminou com o reconhecimento da parcial procedência do pedido para determinar que o representado

“providencie no prazo de 72 (setenta e duas) horas, a retirada dos adesivos que contenham a expressão ‘Tô com o Dr. de novo’, afixados em veículos que estejam à disposição da Prefeitura Municipal local [de Brejo de Madre de Deus]” (grifamos),

reforçando a ordem para que

“se oficiem às rádios desta Zona Eleitoral a fim que se dê ampla divulgação no sentido de que não é permitido, antes do período determinado na Legislação Eleitoral, qualquer tipo de manifestação pública em veículos ou outros bens, por meio de adesivos, placas, cartazes, outdoors, pinturas, pichações ou outros meios” (grifamos de novo).

Até mesmo as pichações, que já caracterizam crime ambiental (art. 65, da Lei 9.605/98), precisaram constar expressamente da sentença. É verdade… Não custa lembrar que, para ganhar votos, não vale cometer crimes…

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A culpa é sempre do chefe.

Aqui vai outra história dos tribunais estrangeiros que nos deixam de cabelos em pé. Essa acontece no Canadá. A senhora Linda Hunt, com mais de cinco décadas de idade, deleitou-se com os prazeres do álcool durante uma noite inteira naquelas festas promovidas pela empresa. Um copo daqui, outro dali, a senhora Hunt já mais parecia com o pêndulo de um daqueles antigos relógios Cuco. E o relógio não parava. Bebida vai, bebida vem. Oba! Lá pelas tantas, a senhora Linda Bebum, digo, Hunt, pegou seu carro e foi-se embora da festa. Uma árvore que, tranquilamente, passeava pela rua, desavisadamente, passou na frente de Linda e “CRASH”. Cuco. Cuco. Cuco.

A senhora Linda Hunt, inconformada, por ter batido com o seu lindo carro, processou o seu chefe. Alegação: o seu chefe não poderia tê-la deixado sair naquele estado de embriaguez ao volante. E a senhora Hunt ganhou uma linda indenização. US$ 300 mil. A generosa indenização permitiu que Linda comprasse um carro novinho em folha.

Algumas brincadeiras a parte, diante da bizarrice do caso, o fato é que a autora ganhou o processo e a referida indenização, algo que não aconteceria aqui no Brasil, pois para nós, só se o chefe a tivesse induzido a beber, ou emprestado o carro da empresa.

A monografia em Antropologia Social de Mrs. Sybille Van der Spenkel, apresentada em 1962 à Universidade de Londres, guarda preciosa informação sobre curioso decreto expedido no século VII pelo imperador chinês Hang Hsi. A aplicada autora da obra “Instituições Judiciárias na China Manchu” viveu na grande república oriental de 1948 a 1950 e colheu dos alfarrábios da China Imperial a determinação soberana que se segue:

“Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos tribunais

Sejam tratados sem nenhuma piedade

Sem nenhuma consideração,

De tal forma que se desgostem tanto da ideia do Direito,

Quanto se apavorem com a perspectiva de comparecer perante um magistrado.

Assim o desejo para evitar que os processos se multipliquem assombrosamente.

O que ocorreria se:

Inexistisse o temor de se ir aos tribunais.

O que ocorreria se:

Os homens concebessem a falsa ideia de que teriam uma justiça acessível e ágil à sua disposição.

O que ocorreria se:

Pensassem que os juízes são sérios e competentes.

Se essa falsa ideia se formar, os litígios ocorrerão em número infinito

E metade da população será insuficiente para julgar os litígios da outra metade.”

Pois bem, desde 2000, uma comissão de juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mantém intercâmbio com os Tribunais Superiores de Beijing e Shangai, e busca entender o sistema judiciário chinês, cuja filosofia prescreve, em casos de condenação à morte, que a família do penalizado seja obrigada a indenizar o Estado pelo gasto com a bala disparada na nuca.

Talvez o que os magistrados cariocas realmente queiram da grande nação asiática seja uma maneira de refrear o acesso ao Judiciário “até nas coisas mais banais”, como diria Cazuza. Não que a saída ideal passe pelo terror psicológico proposto por Hang Hsi, mas há alguma lição que a ordem decretada à época do direito da força reserva para os novos tempos da força do Direito.

21 1033

Essa história, real, aconteceu na terra do Tio Sam e foi lá mesmo que tomei conhecimento, imaginando que fosse uma piada, claro. Não era. Estava correndo na justiça americana.

Um senhorinha americana, após dar um contrariado banho no seu mimoso gatinho de estimação colocou o felino para secar no microondas. O gato assou no forno. Dizem por aí que gato escaldado tem medo de água fria. Um erro lendário. Gato molhado tem pavor de microondas.

E ela, claro, processou a indústria produtora do microondas, já que nas instruções de utilização não existia restrições avisando que gatos não poderiam ser colocados no eletrodoméstico. Nada mais estranho e absurdo se o caso não tivessse ocorrido no país mais democrátivo e livre do universo. Querem saber o final? A idosa e bondosa senhora, que usava a toalha para fazer pipoca e o secador de cabelos para esquentar pizza, ganhou o processo e uma generosa indenização. E a empresa ré foi obrigada, judicialmente, a colocar essa específica instrução no manual de utilização no microondas: “Impróprio para secar animais domésticos”.

Deixem, portanto, que a natureza higiênica dos felinos seja feita por eles próprios.

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Está no dicionário Aurélio: “pum”; ou melhor, Flato = Flatulência: Acúmulo de gases no tubo digestório.

Aconteceu na cidade de Cotia, no Estado de São Paulo, como acontece todos os dias em vários outras cidades do mundo inteiro. Uns mais tímidos, recatos, discretos, dirfarçados e, outros, mais assanhadinhos. É algo cientificamente fisiológico, involuntário e…

Uma trabalhadora, que não tem o organismo diferente dos demais, porém mais saidinho, processou a empresa para a qual trabalhava por tê-la demitido por justa causa. E advinhem a causa da motivada demissão? Exatamente isso que vocês, com aquele largo riso na cara, imaginam. Um baita e….”pum”. O caso foi parar na justiça do trabalho. O Desembargador, relator do caso, já na segunda instância, reformou a decisão primária e deu a autora o direito de se ver livre desses incômodos orgânicos. Disse ele, na sua decisão:

“A eliminação involuntária, conquanto possa gerar constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, não há de ter reflexo para a vida contratual.”

Temi, ao conhecer detalhes da decisão, imaginando a hipótese de se criar uma espécie de “pumódromo”. Se você quer soltar um “pum”, vá até flatódromo social da empresa, localizado no última andar.

O professor Pardal, das histórias em quadrinhos, certamente já teria em mente a construção de um sistema para aliviar os “pums”, eliminando o cheiro e aquele estranho ruído.

O senhor Mircea Pavel, pouco mais de 40 anos, religioso daqueles fervorosos, que sempre entregou o seu destino nas mãos de Deus, foi condenado a cumprir 20 anos de prisão por assassinato. Descontente com a sentença condenatória, pelo crime cometido, resolveu processar Deus. A tese, espantosa mesmo para a cúria em geral, era a de que Deus, Nosso Senhor, tinha prometido protegê-lo contra as influências nocivas do diabo. E como, segundo o senhor Mircea, o assassinato não tinha sido obra dele, mas do capeta peçonhento, Deus teria descumprido a sua promessa contratual. A corte, apenas em 2011, resolveu extinguir o processo, já que estava fora da sua jurisdição terrena. Agora só resta o senhor Mircea esperar o dia do seu juízo final e, a seguir, discutir essa questão nos tribunais do inferno, já que muito provavelmente, após esse crime, não terá o prazer de conhecer Deus.

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No dia 8 de outubro de 2012, o juiz de Direito Andre Luiz Nicolitt, em atuação no Juizado Especial Cível da Comarca de Cachoeiras de Macacu, Estado do Rio de Janeiro, proferiu uma sentença que definiremos apenas como inusitada, deixando as demais adjetivações cabíveis a critério dos caros entusiastas do Caw Diálogos que nos leem. A prova deste “cawso” está ao alcance de um clique.

O fato que o magistrado havia de julgar não apresentava traços dignos de muita atenção. Tratava-se de fato corriqueiro, relativo à má prestação de serviços de TV por assinatura; o autor pretendia assistir o Campeonato Brasileiro. No entanto, o serviço foi interrompido pela suposta falta de documentos. A falha da operadora de canais de televisão não pôde ser escusada diante da prova cabal do envio de fax e do correlato e-mail de confirmação de recebimento da documentação.

A curiosidade do “cawso”, porém, coube à inadequada irreverência do julgador. Esbanjou temeridade na fundamentação da infeliz decisão:

“O dano moral reside no fato de que o autor teve suas expectativas frustradas, perdeu tempo e se indignou. É bem verdade que sua pretensão seria assistir os jogos do Vasco da Gama, o que de certa forma atenua a proporção do dano, pois não é possível comparar a frustração de não poder ver um jogo de times que já frequentaram a Segunda ou Terceira Divisão com aqueles que nunca estiveram nestes submundos.” (grifamos)

A tamanha vaidade na exposição de seus gostos pessoais soou ao juiz como uma razão a mais para explicar suas conclusões; e ainda quis exemplificar:

“Exemplificando, se fosse o Fluminense, por ter jogado a Terceira, valor ínfimo, o Vasco e Botafogo, por terem jogado a Segundona, um pouco maior, já o glorioso Clube de Regatas do Flamengo, que jamais frequentou ou frequentará tais submundos, o dano seria expressivo.”

Um autêntico exibicionismo carnavalesco do meritíssimo, com direito a paetês e lantejoulas… Desde então, procura-se, sem sucesso, pela discrição e imparcialidade reclamadas daquele cujo trabalho é a lida com a coisa pública, e não com a coisa pessoal…

13 398

Esse estranho e curioso fato aconteceu em 2008. Wanderson Rodrigues de Freitas, na ocasião com 22 anos, invadiu uma padaria em Belo Horizonte, com um objeto, aparentemente um pedaço de madeira, para simular uma arma embaixo da camiseta. Rendeu a funcionária do caixa, lançou mão dos míseros R$ 45,00 que encontrou na gaveta. Quando o aspirante a ladrão estava de saída o dono do estabelecimento apareceu na porta. Era o décimo assalto em 7 anos de existência da padaria – o mais recente tinha acontecido apenas 4 dias antes. O comerciante se irritou e partiu para cima de Freitas. Os dois rolaram pela escada que dá acesso ao estabelecimento. Na rua, o ladrão apanhou de outras pessoas que passavam, até a polícia ser chamada e prendê-lo em flagrante. Ele foi preso e, de dentro da cadeia, entrou com um processo por danos morais contra o dono da padaria. “Os envolvidos estouraram o nariz do meu cliente”, diz José Luiz Oliva Silveira Campos, advogado do ladrão. “Em vez de bater, o dono da padaria poderia ter imobilizado Wanderson. Ele assaltou, mas não precisava apanhar.”

A ação não foi aceita pelo juiz, Jayme Silvestre Corrêa Camargo. “A pretensão do indivíduo, criminoso confesso, apresenta-se como um indubitável deboche”, ele afirmou em sua decisão. “Uma das exigências para pedir indenização é o que o seu ato seja lícito, e não é o caso”, diz Clito Fornassiari Júnior, mestre em direito processual civil pela PUC-SP.

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