Arquivos anuais2014

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De 2005 a 2010, as transações realizadas pelo setor financeiro cresceram 71% em números e 84% em valor. A prestação de serviços bancários à sociedade brasileira cresce a cada dia. O País não anda sem o sistema bancário. Certamente, em razão do incremento de consumidores usufruindo das mais diversas operações financeiras, os bancos sofrem, injustamente, para imediatamente adequar sua linguagem à voraz necessidade de informação exigida por insaciáveis aplicadores da Lei 8.078/90.

Confirmado o fracasso de economias ufanistas, utópicas ou socialistas, belicistas, numa espécie de anarquismo sócio-econômico, os avessos ao capitalismo flamulam o Código de Defesa do Consumidor como a bandeira branca da justiça social. E nesse caloroso afã, é lançada sobre os bancos a responsabilidade por crises econômicas, desigualdades sociais, corrupções políticas… enfim, para toda natureza de entrave às conquistas nacionais.

Não compartilhamos da mesma opinião. Não nos parece que haja justiça social nesses pensamentos debilitados de sensatez. O sistema bancário do Brasil pode contribuir para consolidar a democracia, ampliar a justiça social e melhorar a qualidade de vida da população, “crescendo junto com a mobilidade social de seus clientes”, segundo a avaliação do professor Fernando Nogueira da Costa, do Instituto de Economia da Unicamp, e autor da obra “Brasil dos Bancos” (São Paulo, editora EDUSP, 2012).
O crédito rural, financiando a produção agrícola e fazendo do País o maior exportador de alimentos do mundo; os derivativos do mercado futuro, enfrentando o risco da oscilação de preços do mercado; o crédito imobiliário, acompanhando a urbanização do Brasil ao longo da História; o financiamento do consumo, concretizando a inclusão social das classes mais baixas da sociedade; e a internacionalização da economia brasileira, através do câmbio e do financiamento externo, são alguns exemplos bastante convincentes do excepcional papel exercido pelas instituições financeiras em prol da nação.

A atuação dos bancos já é notabilizada por três funções básicas: captar e rentabilizar a poupança e os investimentos; financiar a produção e o consumo; e viabilizar pagamentos e recebimentos. Somente por estas atribuições, o sistema financeiro já se destaca por oferecer um leque de serviços essenciais para a população. Há muito mais, contudo. Serviços de diversas naturezas, hoje, fazem parte do sistema bancário com extrema eficiência para a facilitação e mobilidade da sociedade. O enorme pacote de serviços oferecidos pelos bancos, com elevados e caros investimentos tecnológicos, garantem conforto para os respectivos clientes.

Até os críticos de plantão, com toda a contundência das suas posições, lamentam qualquer imprevisto que lhes impeça de se servir adequadamente de alguma comodidade oferecida pelos bancos. Os elevados e notáveis investimentos em tecnologia da informação -, aperfeiçoando a segurança das transações financeiras, desenvolvendo aplicativos facilitadores, pode figurar em discursos como mecanismos de sedução da clientela, mas não deixa de ser prazerosamente deleitado pelos mesmos batedores inflamados, quando se servem, confortavelmente, do internet banking em seus aparelhos portáteis…

Não há hipocrisia, menor ou maior, na grande plateia ou nos bastidores, capaz de negar os milhões de empregos gerados a benefício de famílias sem fim; as inúmeras ações sociais que varrem o País com resultados que ofuscam as pálidas, tímidas ou ausentes ações governamentais; os investimentos diretos em cultura e esporte, muito mais práticos e eficientes que políticas de fomento…

A meritocracia e o sistema gerencial pautado em produtividade, honrando um código de ética interno, rendem aos bancos os lucros que tanto incomodam. Mas, é bom citar que o empresário Jorge Paulo Lemann, considerado um dos líderes e executivos brasileiros mais admirados no País e abroad, maior acionista da AmBev ― cervejaria que agrada ao gosto de muitos ―, economista formado em Harvard, defensor da “meritocracia de resultados”, quase obcecado pelo controle rígido de custos e despesas, entusiasta da filosofia que prega metas para tudo e nenhum limite para os bônus salariais, iniciou o seu império nos anos ‘70, quando fundou o Banco Garantia… Quem verá nisso motivo para depreciar o seu currículo?

Lembrem-se, também, do filósofo e grande pensador, Michael Sandel, ao questionar, em livro, justice, a justiça do lucro. Sandel, normalmente sem se posicionar claramente, não esconde o que pensa sobre a legitimidade do lucro para os que nesse território se arriscam.

E para os que gostam de Fernando Pessoa, vale a pena ler o Banqueiro Anarquista. Um paradoxo que revela a importância daqueles que, com o lucro e os riscos dele, pretendem acabar com algumas ficções sociais.

Deixo para os nossos leitores um pouco de provocação e fonte de reflexão.

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Há muitos “cawsos curiosos” que inicialmente são hilários; e, no fim de tudo, podem se mostrar chocantes! Mas não deixam de ser curiosos… Por isso contamos.

É uma manhã, final de fevereiro, ano de ‘92. Stella Liebeck, 79 anos, decide se aquecer com um copo de café. Está em Albuquerque, cidade do Novo México. Paga 49 cents no drive-thru do McDonald’s. Seu neto Chris, que dirige o carro, estaciona. Stella quer seu café com creme e açúcar. Tenta retirar a tampa. Seu arrependimento é tardio. O café, fervendo, se esparrama sobre o colo.

Calças encharcadas, queimaduras de terceiro grau, 6% do corpo atingido. Oito dias de internação, dois anos de tratamento, várias cirurgias de enxerto de pele, sequelas permanentes. Despesas médicas de 11 mil dólares.

Entra em ação Reed Morgan, advogado do Texas. Fundamento do pedido de indenização: café “excessivamente perigoso”, “defeito de fabricação”, “negligência grave”. Proposta de acordo de 20 mil dólares; contraproposta, 800 dólares.

O júri ouve as argumentações. Sua competência está assegurada na Sétima Emenda à Constituição americana. Reed sustenta. Café muito quente, temperatura imprópria, boca e garganta em perigo, urgente reavaliação termodinâmica da bebida! A rede de fast food se defende. Perigo óbvio, advertência na embalagem, calor para preservar sabor e aroma, temperatura recomendada pela Associação de Café estadunidense, índice de acidentes “estatisticamente irrelevante”, vitória em 13 ações judiciais semelhantes.

17 de agosto de 1994 ― o júri bate o martelo. Princípio da negligência comparativa na prática: 80% de responsabilidade do McDonald’s pelo incidente; 20% de Stella. Indenização compensatória fixada em 200 mil dólares, minorada proporcionalmente para 160 mil. Ainda não está terminado: deve haver um desestímulo a práticas de risco a consumidores. Indenização punitiva estabelecida. Os 49 cents pagos pelo copo de café rendem dois dias da receita do restaurante com vendas da mesma bebiba. Em moeda corrente: 2,7 milhões de dólares. O juiz Robert Scott preside o júri e reduz a indenização punitiva. A esse título, as cifras caem para 480 mil dólares ― três vezes a indenização compensatória. Valor final: quentes 640 mil dólares.

O veredicto está dado. Na ampulheta, escoam dois dias. Para um café pelando, esperam-se apelações. Sem recursos, as partes se encontram. Acordo firmado, valores não revelados.

Mais 8 anos escoam lentamente. É lançado o Stella Awards. Não é prestígio; apenas galhofa. O prêmio é divulgado pelo site do humorista Randy Cassingham, colunista de jornais americanos. Escarnece das decisões judiciais representativas da “litigância frívola”.

Chega o dia 4 de agosto de 2004. Stella Liebeck falece aos 91 anos de idade. Após os boatos mergulhados em fatos, Cassingham reconhece que “grande parte da cobertura sobre o caso de Stella foi extremamente injusta”…

Após muitos cafés servidos, estreia na HBO o documentário Hot Coffee, em 27 de junho de 2011. Susan Saladoff dirige a série e relança a discussão sobre a necessidade de reforma do sistema americano de arbitramento de indenizações.

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Pego carona no arranque do motor intelectual do amigo Fernando Corbo. Somos realmente levados a concluir que o jornalismo ultrapassado vive em uma “simbiose de necrotério” com leis oportunistas. A expressão causa horror, mas o que assistimos é como um banquete no cemitério!

No ataque, os noticiários esbanjam violência em suas matérias prediletas; na defesa, leis correm às pressas para publicação, querendo fazer crer que as vítimas foram vingadas e que o passado não voltará.

Todavia, não é bem assim. Basta recordar que a novelista Glória Perez, ainda abalada com o assassinato da sua filha Daniella Perez, em dezembro de 1992, conclamou o povo e mobilizou 1,3 milhão de assinaturas para a alteração da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), de modo que o homicídio qualificado constasse do catálogo de crimes infames, cruéis e desprezíveis.

O projeto seguiu ao Legislativo nos termos do parágrafo 2º do art. 61 da Constituição Federal, como de inciativa popular, e resultou na Lei 8.930, de 6 de setembro de 1994, atendendo os apelos da nação chocada. O homicídio qualificado (art. 121, § 2º do Código Penal) foi incluído no rol dos crimes hediondos. Outros delitos também foram submetidos à mesma classificação pela lei vingativa.

A grande idealizadora e executora da campanha apenas não foi avisada de um detalhe: o assassino da sua filha não sofreria o rigor devido aos crimes hediondos, porque “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL, da Constituição de 1988)… Ouviu-se um “ah, não!”.

E não há aqui nenhuma propaganda ou apologia à prática de crimes bárbaros. Não me contento nem mesmo com leves palmadas em crianças… Aquilo de que tratamos é a retroalimentação entre imprensa e legislação, à custa da desgraça alheia…

A escandalosa repercussão com que o jornalismo sensacionalista anuncia os fatos rendeu mais uma lei. No último dia 26 de junho foi publicada a Lei 13.010/2014, que até já recebeu apelido.

A “Lei da Palmada” ou “Lei Menino Bernardo”, em alusão ao pequeno Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, morto em abril deste ano, em Três Passos (RS) ― figurando como principais suspeitos do crime seu pai e madrasta ―, altera o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA para reafirmar que “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”.

O formato original do projeto proibia expressamente toda e qualquer palmada, mas a versão final abrandou a definição de “castigo físico”. Mesmo que não cause lesão corporal, a palmada que gerar sofrimento físico pode ser punida com advertência ou o encaminhamento do infrator a programa oficial ou comunitário de proteção à família; a tratamento psicológico ou psiquiátrico; ou ainda a cursos ou programas de orientação. A criança também pode ser levada a tratamento especializado.

Mas, verdade seja dita. Desde 1940, o Código Penal encara como crime de maus tratos a exposição “a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina” (art. 136). O próprio ECA há muito reforça a proteção à vida, à saúde e à integridade mental prevendo o delito de “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento” (art. 232). O Código Civil ainda endossa que, quem castigar imoderadamente o filho, “perderá por ato judicial o poder familiar” (art. 1.638).

Enquanto jornalistas e legisladores se adoravam, os agressores de hoje eram agredidos na sua infância e adolescência. Quando o telejornal termina ao som de um “boa noite”; quando silencia o vozerio de uma sessão de votação no Congresso, há lágrimas e dor entre quatro paredes, que escorrem ou latejam na alma, à espera de uma política pública séria, que faça da educação o caminho e o destino para o erguimento de lares de amor, e a implosão de casas de rancor…

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O exemplo é passado, mas serve bem ao tema. Todos se lembram do linchamento de Guarujá? Pois é. A notícia, as imagens, a repercussão estrondorosa são de acontecimento que chocou o Brasil. A sociedade ficou boquiaberta com o assassinato, a pauladas, pela comunidade local, de uma mulher inocente, por causa de um boato. Os meios tradicionais de comunicação exploraram o assunto como se o acontecimento fosse extraordinário, mas infelizmente não é.

Enganou-se quem imaginou que essa coluna fosse debater o linchamento. A questão é outra e envolve jornalismo e internet.

O velho jornalismo está atrasado ou de má fé. Ele não transmite as verdades como elas são. A imprensa tradicional é popularesca e não atende às necessidades atuais. Simples pesquisa no Youtube, por exemplo, é o suficiente para a verdadeira verdade aparecer. Experimentem fazer uma busca pela palavra “linchamento”, naquele canal, e verão que esse tipo de matança é miseravelmente comum neste País. Dezenas de vídeos para chocar estão à disposição dos usuários. E é através deles que se percebe o quanto está distante da realidade o jornalismo tradicional das TVs abertas.

O mundo da tecnologia das imagens é, hoje, acessível a todos. É no vasto ambiente da internet que se enxerga a realidade produzida e postada por qualquer um. Não é o que se escreve, porque o se se escreve não presta, mas o que se capta pelas lentes das câmeras dos celulares e se reproduz nos canais da rede.

Com exceção das matérias especializadas, fatos comuns ganharam um novo tipo de “jornalismo”.

O mundo é das imagens. A velocidade da rede deixa os tabloides na poeira.

As imagens não necessitam de texto. Os textos precisam do poder de sedução das imagens. Tanto é verdade que esse texto só despertou a curiosidade dos que o leram por causa do Willian Bonner aí em cima.

“Boa noite”.

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É bom que os aficionados em Jack Sparrow ponham suas barbas de molho ― ou suas barbichas trançadas com miçangas. Desde a última quinta-feira vigora a Lei 13.008/2014 e o novo tratamento aos crimes de descaminho e contrabando.

Antes descritos no mesmo art. 334 do Código Penal, os delitos são agora especificados em normas incriminadoras particulares. Não restam dúvidas de que a mudança pretende encurralar a pirataria.

Embora sempre tenham sido autônomos, o contrabando e o descaminho compartilhavam da mesma sanção, das mesmas figuras equiparadas, das mesmas causas de aumento de pena. É fato que o mesmo transporte que cruza as fronteiras nacionais, com manobras de arte e técnica para despistar o fisco, abastece a mercancia ilegal de armamentos ou de medicamentos, bebidas e cigarros sem prévia análise e registro pela Receita Federal e pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Todavia, o combate à criminalidade se ressentia de maior clareza; bastou um art. 334-A para suprir a falta. Iludir ou frustrar o pagamento de tributo, de um lado, tipificando o descaminho na mesma posição do art. 334, prevendo a antiga pena de reclusão de 1 a 4 anos. Importar ou exportar mercadoria proibida, do outro, caracterizando o contrabando no novo art. 334-A, estabelecendo uma pena reclusiva mais grave, de 2 a 5 anos.

A lei, ainda quente do forno que lhe deu forma, solou como um bolo, ao cometer o pequeno deslize de não adequar a redação do art. 318 do Código Penal ― na definição do crime de facilitação de contrabando ou descaminho ―, deixando de acrescentar o art. 334-A.

Porém, seu sabor foi preservado, que amargará na boca dos que quiserem experimentar uma das aventuras dos “Piratas do Caribe”. No regime que se foi, a pena para o descaminho ou contrabando era aumentada em dobro se o crime fosse praticado em transporte aéreo; doravante, dobra-se a pena quando também for cometido pelos rios ou através dos mares…

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Tramita no Congresso Nacional, sob acesos debates, o Projeto de Lei 5.196/2013, que propõe acrescentar o Capítulo VIII ao Título I da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e o parágrafo único ao art. 16 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).

Conforme consta das considerações apresentadas em conjunto pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União, “o objetivo da medida é conferir maior efetividade e eficácia às decisões das autoridades administrativas de defesa do consumidor, em especial dos PROCONs, para que, além da aplicação de multas, possam estabelecer medidas corretivas aos fornecedores que incorram em infrações aos direitos dos consumidores. Outro objetivo é permitir que as conclusões das audiências realizadas pelas autoridades administrativas de defesa do consumidor possam ser utilizadas pelos Juizados Especiais, evitando-se duplicidade de procedimentos e garantindo maior agilidade”.

A proposta prevê a criação do art. 60-A, conferindo à autoridade administrativa o poder de aplicar “medidas corretivas”, como a substituição ou reparação do produto; a devolução da contraprestação paga pelo consumidor mediante cobrança indevida, o cumprimento da oferta apresentada pelo fornecedor e a devolução de quantia paga pelo consumidor. O projeto de lei ainda versa sobre a possibilidade da aplicação de multa diária, revertida aos fundos de proteção ao consumidor.

Também se depreendem do texto em discussão duas estratégias para encurtar a peregrinação do consumidor pelos tortuosos caminhos do Judiciário: uma está no protótipo do art. 60-B do Código de Defesa do Consumidor, dotando “as decisões administrativas que apliquem medidas corretivas” do caráter de título executivo extrajudicial. A outra pretende prover o art. 16 da Lei dos Juizados Especiais de um parágrafo único, com o qual o pedido instruído com o termo da audiência de conciliação frustrada no órgão consumerista importará na imediata designação de audiência de instrução e julgamento.

As principais censuras que o projeto tem sofrido dizem respeito à inconstitucionalidade da atribuição a órgãos consumeristas e, portanto, parciais, sem estrutura técnica ou preparo jurídico, de poderes próprios de autoridades judiciais. Estaria ferida a “reserva de jurisdição”.

Alguns congressistas lembraram que, por recomendação do Ministério da Justiça, a intenção de qualificar a decisão dos PROCONs como título executivo extrajudicial foi vetada pelo Presidente da República na ocasião em que sancionou o Código de Defesa do Consumidor, em 1990 (art. 82, § 3º). Ainda assim se admite ao compromisso de ajustamento de conduta a eficácia de título executivo extrajudicial (REsp 222.582, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, julgamento em 12/03/2002, Primeira Turma do STJ, DJ de 29/04//2002).

Até então, o fruto que se pode colher é o reconhecimento da lentidão do Poder Judiciário na resolução de conflitos simples, na sua maioria, e da necessidade de se implementar, efetivamente, um sistema de harmonização das relações de consumo.

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Luiz Suárez (o da dentada) foi banido do futebol por quatro meses. A punição é da FIFA .

Muitas questões jurídicas podem ser extraídas desse episódio.

Tem gente dizendo que a punição, que tirou o jogador da Copa, lesa o direito do consumidor, e que a pena mais adequada seria a imposição do uso, pelo restante dos jogos, de uma focinheira ortodôntica.

Brincadeiras à parte, a questão que mais chama a atenção envolve a velocidade da aplicação da pena. A FIFA, em apenas uma semana, sem ferir o contraditório (o que é muito importante), abriu o processo, coletou a defesa do jogador, e, com base nas provas constituídas pelas imagens transmitidas ao vivo e obviamente gravadas, decidiu pela punição aplicada.

O ritmo e a velocidade da máquina estatal nunca superaram a eficiência das entidades privadas.

Sem rodeios e delongas, sem liturgias, sem conclusões absurdas e sem distância da realidade dos envolvidos, a FIFA, muito criticada por suas suspeitas de corrupção (mas esse é um outro assunto), deu exemplo de como se processa, pelo menos em um determinado quesito.

A rapidez do julgamento não comprometeu a eficácia do resultado.

A conclusão e a pena não geraram reclamações inflamadas.

O que se vê e o que se sente é a aceitação, pela comunidade do futebol, de todo o processo e de seu resultado.

O próprio jogador punido pareceu estar conformado.

A Justiça foi aparentemente feita.

Regras foram respeitadas.

Até agora não se falou em ida aos tribunais para rever essa pena.

A suficiência do mundo privado dispensa a intervenção estatal.

Mundo ideal.

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Em interessante estudo desenvolvido para concorrer ao cargo de professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, traçando uma análise da grande carga de simbolismo presente na Constituição dos países periféricos, Marcelo Neves comenta que muitas leis são aprovadas com a principal intenção de demonstrar que o Estado detém a capacidade de enfrentar os problemas sociais (A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007). Trata-se da “legislação-álibi”, da qual recebemos um típico exemplo recentemente.

Refiro-me à Lei 12.965/2014, aclamada como “Marco Civil da Internet”, em vigor desde a última terça-feira, após o escoamento do prazo de 60 dias previsto para o início da sua vigência. A “legislação-álibi” dá ao Estado a imagem de um sistema jurídico e político que responde com rapidez e eficiência aos reclames da sociedade, servindo para iludi-la na mesma toada que imuniza o governo das alternativas cogitadas popularmente, mas que lhe incomodam. Desempenha, então, uma função ideológica e dá uma sensação de bem-estar geral.

A lei em questão reúne normas vazias, salvo raras exceções, estabelecendo regras sobre as relações pertinentes ao uso da internet onde já havia regramento suficiente. Lembremos que a aprovação do então projeto de lei, cujo texto original foi encaminhado ao Congresso Nacional em 2011, ocorreu meses após as revelações do ex-funcionário da CIA, Edward Snowden, acerca da sistemática espionagem de brasileiros por meio do programa Prism, com a colaboração de Facebook, Google e Microsoft.

Como essas circunstâncias são recentes, a memória nos auxilia e estamos dispensados de nos estender quanto a esse escândalo pós-moderno da espionagem, que até James Bond invejaria. A realidade é que a legislação recém-nascida ganhou vida depois de longa gestação, com um pré-natal acompanhado de perto por internautas ― que inclusive tiveram chance de opinar pela sua modificação em alguns pontos ―, mas calhou de vir à luz com a missão não declarada de que livraria os brasileiros e seus representantes dos assaltos cibernéticos de espionagem.

De fato, o “Marco Civil” não resolve o incidente diplomático instaurado nem goza de perspectiva de eficácia. Abana o incêndio, dispersa a fumaça e transfere a solução do conflito para um futuro indeterminado.

Corremos o risco assumido de contrariar especialistas e acalorados defensores da nova criação legislativa; mas não nos iludimos. Uma efetiva inovação na regulação do uso da internet seria atingida com bem menos que os seus 32 artigos.

Há regras que se salvam dessa crítica, como a inviolabilidade e sigilo das comunicações privadas armazenadas (art. 7º, III), que interfere, em certo aspecto, na tese amplamente debatida pelo Supremo Tribunal Federal quanto à inviolabilidade absoluta de dados de computador ― até então preponderava no STF a interpretação de que o art. 5º, inciso XII, da Carta Constitucional, apenas cobriria com seu manto protetor o sigilo da comunicação de dados, e não os dados em si, estáticos, armazenados (RE 418.416, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10/05/2006, Plenário, DJ de 19/12/2006).

Também inovou ao incluir em um texto legal a proibição do fornecimento dos dados pessoais do consumidor a terceiros (art. 7º, VII), a exclusão definitiva desses dados quando encerrada a relação comercial entre as partes (art. 7º, X) e a promoção da ampla acessibilidade do usuário (art. 7º, XII).

Mas, seus grandes destaques são mesmo (1) a “neutralidade da rede”, impedindo os provedores de internet de ofertar conexões diferenciadas pelo conteúdo que o usuário acessar, como e-mails, vídeos ou redes sociais (arts. 9º e seguintes); (2) a responsabilidade subsidiária, e não solidária, do provedor de aplicações de internet que disponibilizar conteúdo gerado por terceiros que agrida a intimidade de seus participantes (art. 21); e (3) a preocupação com a inclusão digital e o controle pelos pais do conteúdo acessado por crianças e adolescentes (art. 29).

Quanto ao mais, temos que convir que a inviolabilidade da intimidade e da vida privada; a indenização em caso de ofensa à personalidade; a previsão da suspensão da conexão à internet apenas em caso de débito associado à sua utilização; a manutenção da qualidade contratada da conexão; e a prestação de informações contratuais claras e completas sobre os serviços de coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de dados pessoais são “letra morta” à vista do que já diziam o inciso X, do art. 5º da Constituição Federal de 1988; a cabeça do art. 12 do Código Civil, o art. 21 do mesmo Código Civil; o art. 22, a cabeça do art. 31, o parágrafo 1º do art. 37, e os incisos III a VII e IX do art. 39, todos do Código Consumerista…

O episódio se repete com a faculdade de o consumidor requerer ao juiz que ordene ao provedor o fornecimento de registros de conexão ou de acesso a aplicações de internet (art. 22). Bastaria se reportar à disciplina da produção antecipada de provas, contemplada no Código de Processo Civil.

Diga-se o mesmo quando preconiza que as causas poderão ser apresentadas perante os juizados especiais e ter antecipados os efeitos da tutela pretendida (art. 19, §§ 3º e 4º). Esqueceram da Lei 9.099/95 e o instituto da antecipação da tutela…

De todo modo, parece que o “Marco Civil” cumpriu bem o seu objetivo, já que não se fala tanto da velada incursão em e-mails e documentos eletrônicos de autoridades brasileiras. Ou a razão disso está nas poucas entrevistas que Edward Snowden tem concedido à imprensa…?

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O doleiro Raul Henrique Srou, preso na operação Lava-Jato, da Polícia Federal, saiu da cadeia. Pagou a primeira parte da fiança precificada para a sua liberdade, e se foi.

Eis aí uma das diferenças entre a justiça do rico e a justiça do pobre. A capacidade de pagamento determina o futuro imediato do criminoso.

Facilitar o caixa também faz parte do jogo. A fiança que viabilizou a liberdade do doleiro foi inicialmente fixada em 7,2 milhões de reais, mas o Judiciário Paranaense a reduziu para 2 milhões de reais, além de ter determinado o seu parcelamento em 18 mensalidades de 100 mil reais.

Sair do encarceramento se tornou fácil para o doleiro. Pagou o sinal, e já está solto.

Há dilemas no fogo e na fumaça que envolvem esse episódio.

No exercício do dever de tratar igual, mecanismos gerais precisam ser criados para o desencarceramento nivelado dos pobres.

Caução adequada e proporcional às condições do indivíduo encarcerado deve ser pensada como medida de tratamento igualitário.

A Justiça que solta o rico deve soltar o pobre.

A Justiça Cível que concede ao pobre a assistência judiciária que lhe garante a gratuidade em relação às custas do processo deve servir de paradigma para garantir, no âmbito penal, a soltura do miserável, não pela dispensa da caução, mas pela eficácia da solução dada ao problema.

A contraprestação deve ser pensada, criada e exigida em forma de algo executável dentro da realidade do cidadão sem recursos.

O Brasil tem cultura de aprisionamento para os bandidos pobres, e de soltura para os bandidos ricos. O País terá instituições melhores se eliminar essa diferença.

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O princípio da inércia ou da demanda, que norteia a atividade do Judiciário, estabelecendo que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando provocado na forma da lei” (art. 2º, CPC), parece aprisionar o juiz. Ele deve proferir uma decisão, mesmo contra a sua vontade. De fato, não poderá se eximir de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei, já diz o texto do Código de Processo Civil (art. 126, CPC). A lei não dá margens: o juiz deve decidir.

O resultado disso, porém, não há de ser uma postura passiva dos juízes. Para que a jurisdição seja valorizada, é imperioso dissuadir o que se convencionou chamar de “aventuras jurídicas”. A Justiça deve ser enfrentada como última tentativa de solução do conflito. Não há nada de novo nessa ideia; sua formatação teórica mais feliz, a nosso ver, coube a Enrico Tullio Liebman, o italiano radicado no Brasil, que construiu a famosa “teoria eclética da ação”. Sob a ótica de Liebman, a sentença de mérito somente seria obtida se demonstrada a presença dos pressupostos processuais e das condições de ação.

O que nos interessa no presente raciocínio trata-se da condição da ação resumida na expressão “interesse de agir”. Por meio desse requisito, o autor teria que demonstrar a necessidade e adequação na utilização da ação judicial, para então poder usufruir da atividade do juiz. Seria, então, um justo obstáculo que o demandante haveria de vencer, mostrando terem sido frustradas as tratativas para resolver o impasse antes de tratá-lo como uma mera demanda judicial.

Desse modo, seria honrado o trabalho do juiz, cuja complexidade é pouca notada diante da espessa neblina que é soprada sobre as portas dos fóruns do Brasil afora. Sem nos prolongamos muito na abordagem teórica do assunto, ainda cabe enxergar que o ilustre processualista acolhido em nossas terras ainda propunha que as ditas condições da ação deveriam ser comprovadas pelo autor (teoria da exposição ou apreciação).

No entanto, em lugar dessa concepção bastante razoável, que vê na jurisdição a última alternativa a ser experimentada, vigora nos tempos atuais a teoria da asserção: as condições da ação são apreciadas conforme a narrativa feita pelo demandante. Basta a alegação do preenchimento de tais condições, sendo dispensada a sua comprovação. A resposta da sociedade para essa aparentemente simples opção processual está no oportunismo e na banalização da Justiça, de que o cotidiano forense dá inúmeras provas.

Curiosidades

O Empreendedor Visionário

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Uma das maiores capacidades do ser Humano é a capacidade de Visão. Neste caso, o que está verdadeiramente em causa quando se fala em...