Lucrar é Crime?

Lucrar é Crime?

14 541

De 2005 a 2010, as transações realizadas pelo setor financeiro cresceram 71% em números e 84% em valor. A prestação de serviços bancários à sociedade brasileira cresce a cada dia. O País não anda sem o sistema bancário. Certamente, em razão do incremento de consumidores usufruindo das mais diversas operações financeiras, os bancos sofrem, injustamente, para imediatamente adequar sua linguagem à voraz necessidade de informação exigida por insaciáveis aplicadores da Lei 8.078/90.

Confirmado o fracasso de economias ufanistas, utópicas ou socialistas, belicistas, numa espécie de anarquismo sócio-econômico, os avessos ao capitalismo flamulam o Código de Defesa do Consumidor como a bandeira branca da justiça social. E nesse caloroso afã, é lançada sobre os bancos a responsabilidade por crises econômicas, desigualdades sociais, corrupções políticas… enfim, para toda natureza de entrave às conquistas nacionais.

Não compartilhamos da mesma opinião. Não nos parece que haja justiça social nesses pensamentos debilitados de sensatez. O sistema bancário do Brasil pode contribuir para consolidar a democracia, ampliar a justiça social e melhorar a qualidade de vida da população, “crescendo junto com a mobilidade social de seus clientes”, segundo a avaliação do professor Fernando Nogueira da Costa, do Instituto de Economia da Unicamp, e autor da obra “Brasil dos Bancos” (São Paulo, editora EDUSP, 2012).
O crédito rural, financiando a produção agrícola e fazendo do País o maior exportador de alimentos do mundo; os derivativos do mercado futuro, enfrentando o risco da oscilação de preços do mercado; o crédito imobiliário, acompanhando a urbanização do Brasil ao longo da História; o financiamento do consumo, concretizando a inclusão social das classes mais baixas da sociedade; e a internacionalização da economia brasileira, através do câmbio e do financiamento externo, são alguns exemplos bastante convincentes do excepcional papel exercido pelas instituições financeiras em prol da nação.

A atuação dos bancos já é notabilizada por três funções básicas: captar e rentabilizar a poupança e os investimentos; financiar a produção e o consumo; e viabilizar pagamentos e recebimentos. Somente por estas atribuições, o sistema financeiro já se destaca por oferecer um leque de serviços essenciais para a população. Há muito mais, contudo. Serviços de diversas naturezas, hoje, fazem parte do sistema bancário com extrema eficiência para a facilitação e mobilidade da sociedade. O enorme pacote de serviços oferecidos pelos bancos, com elevados e caros investimentos tecnológicos, garantem conforto para os respectivos clientes.

Até os críticos de plantão, com toda a contundência das suas posições, lamentam qualquer imprevisto que lhes impeça de se servir adequadamente de alguma comodidade oferecida pelos bancos. Os elevados e notáveis investimentos em tecnologia da informação -, aperfeiçoando a segurança das transações financeiras, desenvolvendo aplicativos facilitadores, pode figurar em discursos como mecanismos de sedução da clientela, mas não deixa de ser prazerosamente deleitado pelos mesmos batedores inflamados, quando se servem, confortavelmente, do internet banking em seus aparelhos portáteis…

Não há hipocrisia, menor ou maior, na grande plateia ou nos bastidores, capaz de negar os milhões de empregos gerados a benefício de famílias sem fim; as inúmeras ações sociais que varrem o País com resultados que ofuscam as pálidas, tímidas ou ausentes ações governamentais; os investimentos diretos em cultura e esporte, muito mais práticos e eficientes que políticas de fomento…

A meritocracia e o sistema gerencial pautado em produtividade, honrando um código de ética interno, rendem aos bancos os lucros que tanto incomodam. Mas, é bom citar que o empresário Jorge Paulo Lemann, considerado um dos líderes e executivos brasileiros mais admirados no País e abroad, maior acionista da AmBev ― cervejaria que agrada ao gosto de muitos ―, economista formado em Harvard, defensor da “meritocracia de resultados”, quase obcecado pelo controle rígido de custos e despesas, entusiasta da filosofia que prega metas para tudo e nenhum limite para os bônus salariais, iniciou o seu império nos anos ‘70, quando fundou o Banco Garantia… Quem verá nisso motivo para depreciar o seu currículo?

Lembrem-se, também, do filósofo e grande pensador, Michael Sandel, ao questionar, em livro, justice, a justiça do lucro. Sandel, normalmente sem se posicionar claramente, não esconde o que pensa sobre a legitimidade do lucro para os que nesse território se arriscam.

E para os que gostam de Fernando Pessoa, vale a pena ler o Banqueiro Anarquista. Um paradoxo que revela a importância daqueles que, com o lucro e os riscos dele, pretendem acabar com algumas ficções sociais.

Deixo para os nossos leitores um pouco de provocação e fonte de reflexão.

Márcio Aguiar é Sócio Fundador do escritório Corbo, Aguiar e Waise Advogados Associados.

14 comentários

  1. Em todo empreendimento, seja ele pessoal ou profissional, o que se almeja é o sucesso. E a consequência do sucesso é o resultado positivo, o lucro.
    Tanto vale para as pessoas físicas quanto jurídicas.
    Mas, por remotas questões socias, filosóficas e religiosas, no Brasil a pessoa jurídica é endemoninhada. É como se essa regra não valesse para ela.

    • Eu, por exemplo, Mariana, agradeço aos que lucram e geram mais e mais empregos para inúmeras famílias. O Banco, por exemplo, gera emprego para mim e mais mil outras pessoas diretamente. Essas mil outras pessoas gastam o que ganham e movimentam ainda mais a econômia de produtores diversos, na esfera dos serviços e da indústria. Até a minha empregada doméstica agradece aos meus clientes. E aí já podemos, apenas falando do Márcio, multiplicar esses números por outros milhares que, indiretamente, estão inseridos na mesma cadeia. Os aposentados também agradecem, pois trabalho gera recolhimento do INSS.

  2. Em tempos de grande crescimento e aceitação das idéias esquerdistas na sociedade brasileira, este texto, nos trás uma grande oportunidade de “por os pés no freio” e refletir sobre os inúmeros benefícios trazidos pelo atual sistema financeiro. Sendo este um dos principais, se não, o principal responsável por chegarmos onde estamos hoje, logo que, sempre participou do financiamento de uma política democrática e justa.
    Vale ressaltar, que a culpa dos males vividos pela nossa sociedade brasileira, como resultado de nossa política governamental não possa e não deve ser atribuída a iniciativa privada. Logo que, assim como a classe proletária, a classe empresarial sofre com os mesmos obstáculos impostos pela alta carga tributaria e a falta de infra-estrutura, em sentido amplo.
    Por fim, gostaria de elogiar a perfeita abordagem realizada pelo ilustre colega de profissão e parabenizá-lo por mais uma brilhante iniciativa. Sucesso ao Dr. Marcio Aguiar e a toda sua equipe.

    • Caro Amigo Matheus: agradeço pela sua bela exposição. São pessoas como você, com visões periféricas, longe dos preconceitos pré-constituídos dentro de um país sindicalista, que oferecem novas perspectivas de reflexão para as novas gerações.

  3. Definitivamente, lucrar não é crime. Na verdade o que me incomoda é a passividade dos bancos públicos no que tange a regulação do mercado. Não sou especialista, mas creio que se o custo do dinheiro fosse menor o país teria mais chances de crescimento em que pese a evasão do capital estrangeiro dos investidores. Esse tema é sinistro.

  4. Perguntinha para os nossos leitores: alguém guardaria ou depositaria seu suado e valioso dinheiro numa instituição financeira que não gerasse lucro? Num Banco que anunciasse prejuízo? Numa instituição que não trabalhasse para o sucesso lucrativo dos seus negócios?

  5. Jamais, Márcio Aguiar. Lucrar não é crime ! Afinal de contas, qual empresa ficaria aberta apenas para dar prejuízos ??? O lucro é inerente a atividade empresarial e, se assim não fosse, seria filantropia. O que normalmente se questiona por aí, são as altíssimas margens de lucro de algumas grandes empresas, o que eu, particularmente, discordo. Para mim, vale a máxima: “O que é combinado, não sai caro!”.

  6. Obrigado pelo seu comentário, Elaine. Toda empresa visa o lucro. Toda empresa trabalhar para lucrar. O tamanho do lucro é retrato da qualidade do serviço prestado. Se o produto é realmente bom e tem aderência, natural que o lucro seja maior.

  7. Quero provocar mais esse tema. Alguém abre algum negócio, nesse país, de impostos altíssimos, com pouco retorno, e enorme riscos, pensando no prejuízo?

  8. Posso de repente estar fazendo uma avaliação absurdamente equivocada, mas creio que infelizmente o Judiciário se revela de certo modo, vilão pelo desequilíbrio das relações de consumo. A retomada do julgamento das revisionais de juros deve trazer impactantes reflexos na oferta de crédito, na medida em que, tenho visto, as decisões tem tornado a pender em favor do consumidor, para determinar aos contratos juros de 1% a.m.
    Parece faltar aos Juízes visão para perceberem que a longo prazo, a abertura desta margem para que sejam os contratos revisionados pode dificultar a concessão de crédito, encarecimento dos valores dos produtos e serviços, tudo para minorar o efeito da supressão do percentual da remuneração dos juros, reduzindo o capital em circulação, prejudicando a economia, geração de empregos, etc.
    Não me restringindo à atuação do Judiciário nos contratos bancários, a experiência na estrada da advocacia faz refletir no mesmo sentido quanto às seguradoras, planos de saúde principalmente. Decisões que comumente violam a razoabilidade, impondo à seguradora ônus muito além daqueles a que o risco lhes obrigava, custeio de tratamentos e procedimentos muitas vezes incondizentes com o exigível e que se tratam às vezes até de mero capricho do segurado.
    Isso causa sobretudo impacto nos valores e prêmios cobrados, e enfim, é somente outro exemplo de quando o Judiciário, invés de zelar pelo equilíbrio social e da atividade empresarial abraça inadvertidamente a causa dos ditos hipossuficientes consumidores, realmente criminalizando a busca do lucro, que, como muito bem acima pontuado pelo amigo Márcio, tende a ser maior na medida em que o produto é realmente bom e tem aderência.
    São humildes pensamentos…

    • Caríssimo: muito bom vê-lo por aqui. Você enriquece os nossos diálogos. Achei as suas posições brilhantes. Acho que o judiciário precisa se adequar a nova realidade das questões jurídicas sociais. O judiciário ainda trata algumas demandas de forma muito paternalista. Coloca em risco o próprio crescimento econômico. Suas colocações são extremamente sensatas e provocam a reflexão. Precisamos de advogados como você por aí.

Deixar um resposta