AINDA SOBRE A DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS

AINDA SOBRE A DESJUDICIALIZAÇÃO DOS CONFLITOS

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Um dos maiores temas jurídicos do momento ainda é o da desjudicialização dos conflitos.

Muito se discute a respeito.

Muito se fala em mediação e arbitragem como instrumentos de despressurização do Poder Judiciário.

Não é novidade que os Tribunais não mais conseguem administrar com regularidade o imenso volume de processos que abarrota os Fóruns do Brasil.

Há muito se enraizou o costume de se levar à resolução dos Magistrados todo e qualquer conflito de interesses.

Tudo isso já virou clichê.

As perguntas básicas são: quais as causas desse problema social e como ele pode ser tratado?

Não há como negar a participação intensa do dano moral indenizável no processo de lotação das casas judiciárias brasileiras.

Também é inegável que um dos fermentos desse bolo social é a grande quantidade de advogados que precisa sobreviver no País.

No universo dos processos cíveis, a indenização por dano moral está autorizadamente em quase todos eles, que são a grande maioria nas Varas, além das execuções fiscais e das execuções movidas pelos bancos.

Advogados registrados no Brasil são mais de um milhão.

Essa massa de profissionais encontra nas indenizações por dano moral o método de sobrevivência.

O sistema já funciona assim há um bom tempo.

Sabe-se que a indenização por dano moral, no Brasil, tem caráter punitivo-pedagógico. Por isso, a empresa que falha na sua prestação de serviço ou no pleno funcionamento do seu produto é, geralmente, condenada a indenizar o cliente pelo dano moral decorrente.

Uma tarifa bancária mal esclarecida, por exemplo, gera, na prática, indenização por dano moral, e, por consequência, uma corrida de advogados ao Judiciário, com suas causas e seus clientes.

Difícil é resolver o problema de superlotação do Judiciário com esse sistema de sobrevivência em funcionamento.

Mediação e arbitragem são projetos de rotas de fuga e instrumentos de substituição capital de um sistema pelo outro.

Os conflitos de interesses, verdadeiros ou não, devem provavelmente, tanto em um sistema como em outro, continuar servindo como ativistas de uma classe profissional e de um sistema maior de distribuição de riquezas.

Há muita verdade no que disse recentemente Marcelo Kokke, procurar federal da AGU, a respeito da “míope noção” permanente do “Estado brasileiro”, de que a função do advogado público, o que se estende aos demais advogados, se limita ao universo dos autos do processo judicial.

Nenhuma medida destinada ao desafogamento do Judiciário tende a dar certo se não envolver os advogados de massa, assim como a manutenção dos critérios filosóficos atuais de realização de “justiça”, independente da evolução ou involução que isso possa representar.

Fernando Corbo é advogado do escritório Corbo, Aguiar e Waise Advogados Associados.

2 comentários

  1. Abordagem muito lúcida e destemida. Há um dever de casa que se concentra tão somente nas mãos do Judiciário. Parabéns! Resumiu tudo com poucas palavras.

  2. Concordo. E acrescento que um das grandes contribuições que incentivam o ajuizamento volumoso destas ações é a falta de critério para concessão da gratuidade de Justiça, ainda que muitas ações possam tramitar nos Juizados Especiais. Desta forma, as aventuras jurídicas, com o devido respeito ao direito de ação, são distribuídas com plena ciência de que não haverá prejuízo algum, à sorte da procedência do pedido. Não se pode olvidar, ainda, que muitos profissionais são litigantes por natureza, pois assim foram formados nas cadeiras de suas faculdades/universidades. Pouco se ensina a buscar solução para os conflitos, em geral, de forma amigável e extrajudicial. Todavia, muitos advogados vêem em cada cliente a possibilidade de alto retorno financeiro e não como uma pessoa que procura ajuda para resolver um problema.

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