As ações cautelares de exibição de documentos – O sistema de sobrevivência...

As ações cautelares de exibição de documentos – O sistema de sobrevivência de uma classe

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Instituições financeiras, empresas de telefonia e outros segmentos empresariais que fazem parte da vida cotidiana da população continuam nas listas das mais acionadas dos Tribunais Estaduais de Justiça. Há muito tempo vigora no País uma inegável cultura da judicialização dos conflitos. Surge, agora, timidamente, um movimento inverso, da desjudicialização dos conflitos.

Esse movimento, da desjudicialização dos conflitos, nasce de uma necessidade. Os Tribunais de Justiça do País têm muita dificuldade para gerir o imenso volume de ações judiciais que tramita nas casas judiciárias. O sistema não aguenta mais.

Há pressões vindas de toda parte. Uma delas vem da luta pela sobrevivência de uma classe. No Brasil há mais de um milhão de advogados. Nichos do “mercado” da advocacia são criados em brechas legais.

Ações cautelares de exibição de documentos são um dos exemplos de exploração legal do “mercado” da advocacia. Em algumas regiões do País, milhares dessas ações exibitórias são levadas aos Tribunais.

Os advogados que representam os consumidores, nessas ações, têm nelas uma fonte de renda, já que é comum ganharem a causa e também os honorários que nas respectivas sentenças são arbitrados pelos juízes sentenciantes.

Eles ganham a causa porque, em tese, o consumidor tem o direito de acesso aos documentos pleiteados, como contratos e extratos, por exemplo. Mas, há uma questão. Em geral, a ação judicial é desnecessária para a obtenção desses documentos. É desnecessária porque os consumidores têm acesso extrajudicial a eles. As grandes empresas usam a tecnologia para dar a seus clientes todo tipo de acesso e informação. Não há dúvida disso.

Mas, esse acesso fácil aos documentos e às informações elimina a via judicial que alimenta o sistema. E se a via judicial, para essa situação, é desnecessária, as ações devem ser extintas, o que não vem acontecendo.

Mas, em uma sentença brilhante, proferida recentemente no processo 1014433-98.2014.8.26.0196, instaurado a requerimento de uma consumidora, e ajuizado contra uma empresa de telefonia, a Juíza Julieta Maria Passeri de Souza, da 4ª Vara Cível de Franca – SP, rechaça o pedido judicial exibitório. Na sentença, ela relaciona os quase três mil processos semelhantes, ajuizados por um único advogado naquela região, em curto espaço de tempo, e diz que “não é crível que todas as instituições que fazem parte das demandas relacionadas não forneçam os contratos e demais documentos que as partes necessitam…”.

Em minas Gerais acontece o mesmo. Milhares de ações cautelares de exibição de documentos tramitam no Judiciário Mineiro, contra bancos e empresas fornecedoras de serviço.

A maioria dos Juízes com competência jurisdicional para a matéria condena as empresas a exibirem os documentos. Poucos se dão conta do problema e extinguem as ações, ou procuram formas de eliminar a “epidemia”.

O enorme volume de ações judiciais desse tipo faz parecer que há um problema social na região, cuja solução dependa da ação necessária do Poder Judiciário. A pergunta que se faz é: como um micro sistema evidentemente viciado e, portanto, nocivo à sociedade consegue se desenvolver a partir de um nicho jurídico? Não estaria na escolha do modelo de gestão do próprio Judiciário a fórmula para se reagir às estatísticas negativas que foram trazidas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no seu último Relatório justiça em Números?

Fernando Corbo é advogado do escritório Corbo, Aguiar e Waise Advogados Associados.

2 comentários

  1. Excelente texto, Fernando.
    Chego a me perguntar se essa situação já não atingiu o status de obviedade. E se é tão óbvio assim, porque o judiciário ainda não tomou uma medida efetiva para brecar o problema?
    É claro que o acesso ao judiciário é e sempre deverá ser livre, contudo a judicialização dos conflitos somente trás malefícios a todos, tanto sociedade quanto o próprio judiciário.
    O judiciário cada vez mais abarrotado de demandas e sem condições de devolver à sociedade um serviço ágil e de qualidade. E a sociedade que não tem suas necessidades atendidas no tempo ideal.
    As ferramentas estão aí, cabe saber utilizá-las.

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