Artesanato Judicial

Artesanato Judicial

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A expressão que dá título a este post não é minha, mas do Presidente do Tribunal de Justiça Paulista, o desembargador José Renato Nalini, a cujo pensamento e ativismo o grande amigo Márcio me apresentou.

Procurado pela Folha de S. Paulo para ser ouvido a respeito do acúmulo de razoável parcela de processos em tramitação no tribunal por seleto grupo de desembargadores, Nalini comentou que há juízes que “continuam a fazer de seu trabalho um artesanato precioso, com citações e menções doutrinárias”.

Sem se subestimar a qualidade decisória dos trabalhos finais, os artesãos de toga podem parecer museólogos diante de uma plateia à espera de novidades. Assim como os manufaturados foram arruinados pela Revolução Industrial, os processos na expectativa de um dia inspirado do juiz tornam-se trapos à frente da tsunami denominada globalização.

Sinto-me mal acomodado ou ― sem freios na linguagem ― incomodado com a velocidade impressa pela nova ordem econômico-social. É verdade que os únicos praianos sobreviventes à onda gigantesca que há dez anos devastou a costa da Indonésia foram os que mergulhavam nos instantes do maremoto. Mas fico costumeiramente sem fôlego sob a velocidade de informações, propagandas e produtos que entopem nossas vidas e provocam processos de difícil (di)gestão judiciária. Não há pulmão e integridade mental que suporte os sucessivos arrastamentos à beira do mar-keting revolto.

Ninguém há de duvidar que a jurisdição exerce precioso papel pedagógico. Mas na situação com que nos deparamos, quando decisões são proferidas com ar professoral, logo haverá quem se desesperará com a sensação de respirar em catacumbas faraônicas. Lembro que adorava ouvir meu avô na infância mais remota. Mas, logo ao adentrar à juventude, o mesmo vovô e suas estórias já não atendiam meu frenesi. E lhe pedia, ou exigia, um ritmo que não era o seu.

Quando e onde posso, procuro fincar a bandeira em prol do gerenciamento moderno dos processos. Convenhamos, contudo, que socos, tapas, pontapés, vômitos, regurgitações e tudo que é instantâneo, imediato, que marca a atual geração em que vivemos, se opõe, por natureza, ao processo, ao encadeamento de atos, que não se submete à mesma fórmula vapt-vupt.

A fluidez pós-moderna deu qualidade a nossas vidas; decerto. E cada um de nós tem em seu universo particular o que anteontem estava sendo descoberto, tendo sido ontem fabricado, para que hoje pudesse ser comprado. Mas é preciso se defender dessa virose devoradora da mente e do tão precioso tempo.

Urge encontremos uma medida balanceada! Aos juízes, cumpre decidirem com rapidez; não há dúvidas. Pululam ferramentas tecnológicas ao dispor de vovôs, professores, artesãos e magistrados. A nós, cabe consumir com sensatez. E, no melhor dos mundos, devemos dedicar o tão precioso tempo à lapidação da alma, à depuração da vontade, ao cuidado com o processo ou movimento evolutivo, peculiar a cada um.

Enfim, é tarefa minha e sua encontrar o equilíbrio entre o demorado artesanato e o devastador tsunami. Num e noutro extremo, há vítimas a padecerem com as tormentas do muito e do pouco.

Jurista, articulista e cronista jurídico. Pensador nas horas vagas.

2 comentários

  1. Deparo-me, ao fim de um ano muito conturbado, com mais um artigo brilhante. Nada, nem ninguém, salvo nosso grande D. Menezes, poderia fechar a tampa com tamanha lucidez. Embebedo-me com essa fonte de luz e coerência. Embebedo-me com uma inveja, de admiração, pela capacidade e intimidade que tens com as tintas que colorem nosso mundo. És um grande espadachim. A espada é caneta que tens nas mãos para levar seus reflexivos pensamentos para todos que têm a oportunidade de ler suas crônicas. Um brinde ao nosso genial D. Menezes.

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