Justiça não é cega

Justiça não é cega

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Se fosse cega, não precisaria de venda para impedir seus olhos de escolher, de preferir, de cultivar empatias. A Justiça não é surda. Ouve o clamor do povo, sequioso por eliminar as injustiças. A Justiça não é tetraplégica, nem paraplégica, nem ostenta deficiência alguma. Ela é combalida, isto sim, porque não tem por ela o olhar de interesse e de afeição da comunidade. Os índices de avaliação do Poder Judiciário no Brasil não são os mais favoráveis. Mas por um paradoxo, desse tão brasileiros, cada vez mais se procura pela Justiça. Mesmo sabendo que a opção por um processo significa um treino de infinita paciência. Pois é infinita a duração de uma ação judicial no sistema brasileiro.

De tanto apreço ao duplo grau de jurisdição, nós temos quatro. Tudo começa com um juiz, que deveria dizer a melhor justiça e a questão terminar aí. Mas as pessoas querem que o Tribunal também se manifeste. Não satisfeitos com a resposta do colegiado, fazem o processo subir até o STJ – Superior Tribunal de Justiça, o “Tribunal da Cidadania“. E como a nossa Constituição “Cidadã” cuida de tudo, não é difícil fazer com que o processo ainda chegue ao STF – Supremo Tribunal Federal.

Essa caminhada dura de 10 a 20 anos, a depender do talento do profissional e de sua estratégia para se valer de uma arena de astúcias em que se transformou a ciência processual, quando alguém quer deixar de honrar seus compromissos, cumprir suas obrigações ou responder pelo mal causado.

Ainda não se fez a profunda reforma estrutural da Justiça brasileira, nem se vislumbra condição para fazê-la. Há muitos interessados em que ela não funcione. Seja uma instância simbólica, avalista da Democracia. Afinal, se existe juiz em cada cidade, para receber as demandas, isso é sinal de que o Brasil é um Estado de Direito de índole democrática.

Talvez a crise, ao forçar uma revisão de todas as instituições e a mostrar que dinheiro não cai do céu e quando ele falta é preciso reinventar a roda, traga ao povo brasileiro a oportunidade de refletir sobre sua Justiça, que gostaria de ser repensada. Isso não faria mal à fustigada República, fértil seara dos malfeitos e da politicagem.

Sou Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Docente universitário. Membro da Academia Paulista de Letras. Autor, entre outros, de Ética da Magistratura (2ª ed.), A Rebelião da Toga (2ª ed.) e Ética Ambiental (2ª ed.).

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