A Teoria da Perda de Uma Chance

A Teoria da Perda de Uma Chance

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E quando o advogado erra e perde uma oportunidade real de produzir um melhor resultado para seu cliente? A relação advogado-cliente é fundamentada na confiança. O advogado exerce atividade de meio e não de fim. Entretanto, o advogado deve ser diligente, deve cumprir todos os prazos processuais, atender todas as determinações judiciais viabilizando a melhor formação do processo judicial e zelando pela boa condução do caso até que seja alcançado o melhor resultado possível para seu cliente.

Prevê o art. 186 do CC que todo aquele que causar dano a outrem tem o dever de indenizar. O advogado também se submete à regra do art. 32 da Lei 8906/94 que prevê sua responsabilização por dolo ou culpa, pelos prejuízos causados. Mas a questão é: qual é a dose desta compensação? A teoria da perda de uma chance veio para auxiliar na definição desta medida. A perda de uma chance é considerada por muitos doutrinadores, como Sílvio de Salvo Venosa, uma terceira modalidade de dano patrimonial — intermediária entre o dano emergente e o lucro cessante. Estes doutrinadores baseiam-se no posicionamento de que “a vantagem que se espera alcançar é atual, no entanto, é incerta, pois o que se analisa é a potencialidade de uma perda e não o que a vítima efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante) ou o que efetivamente perdeu (dano emergente). Assim, existe um dano atual e “hipotético””. O que se deve levar em conta para a fixação do quantum é a chance em si e não o que a vítima poderia ter recebido.

O nexo de causalidade, no que diz respeito à teoria da perda de uma chance, se forma entre o ato ilícito praticado pelo agente (advogado) e a chance perdida por seu cliente. Sendo assim, deve restar demonstrado que a conduta ilícita praticada pelo advogado impediu que o cliente tivesse a oportunidade de obter determinada vantagem.

Nesta linha de raciocínio, não é toda e qualquer chance perdida que levará a uma indenização. Somente a chance séria e real poderá ser indenizável. Por chance séria e real entende-se aquela que efetivamente é fundamentada na probabilidade de que haveria um ganho e na certeza de que a vantagem perdida resultou num prejuízo na busca desse ganho.

Algumas decisões em processos onde se tratou sobre a teoria da perda de uma chance relacionada ao exercício da advocacia consolidaram o entendimento de que o advogado só poderá ser responsabilizado quando sua falta comprometer efetivamente a oportunidade de ganho do cliente:

1) RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. SENTENÇA DESFAVORÁVEL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, NÃO DE RESULTADO. AUSÊNCIA DO CAUSÍDICO À AUDIÊNCIA. Para fixar-se a responsabilidade civil do advogado o juiz deve examinar a repercussão da omissão ou ato praticado e sua influência no resultado da demanda. Ainda, deve verificar as possibilidades de êxito do cliente. Confissão ficta aplicada em causa solvida em prova documental, exceto quanto à ocorrência de justa causa para a despedida. Todavia, é sabido que o depoimento pessoal, sem outros elementos, faz prova contra o depoente. Assim, conclui-se que a omissão do advogado não acarretou o decaimento. Não reconhecimento da responsabilidade civil. Recurso provido. (TJ RS. AP. Nº 71000513929. 3ª trc-jec. REL. DES. MARIA JOSÉ SCHMITT SANTANNA).

 

2) Perda de prazos para interposição de recursos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (AC 875850/5, da 31ª Câmara Cível, São Paulo, SP, 30 de setembro de 2008) decidiu: “a constatação da probabilidade de que o recurso seria provido, caso interposto, leva ao reconhecimento da existência do dano a justificar a reparação”. Na AC 70024478000 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que os “advogados não interpuseram o recurso de apelação por questão de prudência e cautela, sobretudo porque a jurisprudência era majoritariamente contrária aos interesses da sua cliente“. Afastou-se, então, a reparação por perda de chance.

 

O entendimento do STJ sobre a teoria da perda de uma chance é de que ela é indenizável, porém, exige que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade:

…Dessa forma, se razoável, séria e real, mas não fluida ou hipotética, a perda da chance é tida por lesão às justas expectativas do indivíduo, então frustradas. Nos casos em que se reputa essa responsabilização pela perda de uma chance a profissionais de advocacia em razão de condutas tidas por negligentes, diante da incerteza da vantagem não experimentada, a análise do juízo deve debruçar-se sobre a real possibilidade de êxito do processo eventualmente perdida por desídia do causídico. Assim, não é só porque perdeu o prazo de contestação ou interposição de recurso que o advogado deve ser automaticamente responsabilizado pela perda da chance, pois há que ponderar a probabilidade, que se supõe real, de que teria êxito em sagrar seu cliente vitorioso…” Precedentes citados: REsp 1.079.185-MG, DJe 4/8/2009, e REsp 788.459-BA, DJ 13/3/2006. REsp 1.190.180-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/11/2010. (g.n)

Advogada e Professora de Deontologia Jurídica.

5 comentários

  1. Excelente, Andressa! É muito bom ver os seus textos na parte de cima, incitando os nossos comentários!
    A aplicação da teoria da perda de uma chance, na minha acanhada interpretação, dá um ar matemático ao Direito, que precisa mesmo de traves mais firmes para balizar a proporcionalidade e estabelecer responsabilidades.

  2. Andressa, que bom que você está por aqui. Use e abuse.
    Iniciou muito bem. O tema é fantástico.
    Receio muito essa coisa de medir o futuro. Acho perigosíssimo. E tenho certeza que Juízes vão usar muito mal o instituto.

  3. A CAWdialagos está se tornando um ambiente para gente grande. Grande de ideias, polêmicas e criaturas pensantes. A Andressa já chegou para elevar o nível das discussões. Agora vamos nos esforçar um pouco mais. É papo sério, como diria o nosso Erasmo Carlos. Vou fazer o seguinte: como o D. Menezes, bem acanhado, digo que tem muito advogado precisando retomar as cadeiras acadêmicas. Alguns recomeçar. E outros, não sei se falo, ou deixo a imaginação de vocês falar. Melhor é estudar, para bem trabalhar nessa arte de advogar. Valeu, Andressa. Fico cá a pensar. Volto com algo mais para comentar.

  4. Já não é de hoje que, ao ler os comentários sempre muito bem desenvolvidos da Andressa de Barros, que ficava me perguntando o motivo pelo qual não estava no staff dos colunistas. E ai está ela, para dar mais um toque de classe a CAWdialogos. Tema muito pertinente. Observe que todos têm muito cuidado a desenvolvê-lo. Ninguém, de forma taxativa, disse concordar ou discordar do instituto. Tal como o Corbo, tenho muito receio como os magistrados o utilizarão. Bom dia a todos.

  5. Agradeço pelas palavras de incentivo de todos! É um prazer estar por aqui. A partir dos comentários realizados preciso dizer que nunca gostei de desculpas e sempre gostei de justiça. Gosto desta teoria porque ela não radicaliza e, na verdade, flexibiliza a discussão da responsabilidade no exercício da profissão mas não deve acolher os desleixados. Não encontrei muitos julgados desfavoráveis aos advogados, especialmente. Aos meus amigos temerosos com o que os juízes calcularão ou farão com a tese, preciso destacar que vejo a utilização da teoria de forma positiva e muito antes de se chegar à esfera judicial. Negociemos. Se errar o advogado pode argumentar com seu cliente o limite de sua responsabilidade com esta visão. O cliente vai querer que o advogado pague tudo. Este é o ponto. O que é tudo? Tudo o que ele esperava receber, a perda patrimonial e não apenas a chance perdida, ou seja, o que teria efetivas chances de ganhar ou deixar de perder. Parece-me, Fernando, que não se trata de medir o futuro. Trata-se de medir o “não-futuro”.

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