Efeito Borboleta

Efeito Borboleta

Não se trata de um factoide inspirado na teoria da conspiração. Tampouco pretendo fermentar os fatos para exagerar suas proporções. O que há é que, quando se populariza a teoria física de Lorenz e a noção de que o bater das asas de uma borboleta, num ponto do globo terrestre, provoca reações no outro extremo, a realidade não pode ser minimizada.

Para alguns será uma simples coincidência. No mesmo dia em que o mundo se apavorou com a queda do avião comercial MH17 na Ucrânia, atraindo nuvens espessas e relâmpagos raivosos sobre a mesa diplomática à qual se sentam americanos e russos, publicava-se no Diário Oficial da União mais um retalho à Lei Maior ― a Emenda Constitucional 82, introduzindo o parágrafo 10 ao art. 144.

Enquanto lamentos, imprecações e orações subiam aos céus, especialmente pelos quase cem pesquisadores empenhados no tratamento da Aids que tripulavam o avião abatido ― inclusive o ex-presidente da Sociedade Internacional de Aids, Joep Lange ―, plantava-se em solo brasileiro mais uma semente seca, incapaz de vingar, mas que agrada o povo sofrido à espera de milagres ou de bagatelas…

A novidade normativa versa sobre segurança viária, “exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas”. Literalmente, a Emenda saiu pior que o soneto. O grão enterrado na Praça dos Três Poderes é mais uma migalha, dessa vez jogada em direção aos agentes de trânsito, cuja função assume, então, estatura constitucional, sendo equiparada às atribuições dos demais agentes de segurança pública (policiais rodoviários federais, investigadores de polícia, agentes de polícia etc.).

Nas rodadas de negociação com os governos, a classe dos agentes de trânsito terá a maior das razões para obter reajuste ou equiparação salarial, vantagens de carreira e até porte de arma funcional… Se eu fosse um agente de trânsito, certamente batalharia por esses pleitos.

Mas há nessa coincidência de fatos ocorridos no dia 17 de julho de 2014 uma indisfarçável ironia. Um voo desastrosamente interrompido por uma ação bélica, militar bem evidente, levando à morte importantes personagens para a erradicação da doença das mais avassaladoras da História. Na mesma ocasião, a comemoração de funcionários públicos em operação nas vias terrestres do Brasil com a publicação na Imprensa Nacional da decolagem da sua carreira, conquistando grandeza e altitude no ordenamento jurídico, vangloriando-se pela aproximação do tempo em que poderão portar armas…

Uma quase mística confluência entre as asas de um avião e os sinais de trânsito de uma nação!

Jurista, articulista e cronista jurídico. Pensador nas horas vagas.

4 comentários

  1. Pois é, meu amigo. Miudezas e minúcias são coisas do Brasil. Por miudezas e minúcias na Constituição do País faz nossos legisladores se sentirem importantes. Por migalhas na Constituição do País é não se importar com a ela. A mesma asa de borboleta que bate aqui bate lá. A asa que bateu lá abateu um avião. O mesmo valor que dão aqui à Constituição é o que dão lá. Asas que derrubam as instituições.

    • Exato, Fernando! Que possamos desenvolver asas para, sem desprezo à nossa terra, pairar acima das preocupações sociais do momento e observar do alto que temos forças de sobra para alcançar um destino maior!

Deixar um resposta