Uma Infância Sem Cores

Uma Infância Sem Cores

Tratei, por aqui mesmo, sobre a falta de graça no mundo em que vivemos atualmente. Nada mais nos é permitido.

Essa era do politicamente correto tornou a convivência social careta e enfadonha.

Não demora muito e até espirrar em público será proibido. Que chatice. Vivi numa época bacana, em que a molecagem era saudável e socializadora.

Tudo hoje é regulado. Até a internet, que nasceu livre e independente, ganhou uma mordaça. Os meus filhos vivem com esparadrapos na boca.

Estamos diariamente pisando em ovos.

Há um novo tema, contudo, que está causando grande polêmica e discussões acaloradas.

Refiro-me a Resolução 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente.

Agora o buraco é mais embaixo, já que os direitos protetivos envolvem os nossos miúdos. Quando o assunto é criança nossas crenças e opiniões particulares perdem valor. O nível ético, para o tema, é absolutamente mais complexo. Nem o filósofo Harwardiano Michael Sandel teria uma teoria desafiadora para nos entregar de imediato. Os ditadores sem fecham em paus e os neoliberais se fecham em copas.

Para esse playground ninguém quer se arriscar a descer sem antes conhecê-lo melhor.

O fato é que essa resolução proíbe todo tipo de publicidade de produtos e/ou serviços destinados ao público infantil e adolescente;- “com intenção de persuadi-lo para o consumo de qualquer produto ou serviço utilizando meios de marketing sedutores”. E por aí vai a linguagem; a figura da celebridade querida pela criançada; a distribuição de prêmios; brindes colecionáveis (lembrei do Mc Donalds); dentre outros tantos. Em outras palavras, se for marketing que influencia o acesso ao produto ou serviço, não vale.

As empresas e agências de marketing já podem pensar em desistir ou repensar esse bilionário nicho de negócios.

Há, aqui, entretanto, uma questão jurídica interessante. O Conselho em questão é um órgão do Poder Executivo. Via de regra, a função dessa instituição pública é limitada única e exclusivamente a execução de políticas públicas afetas a criança e ao adolescente.

Enxergamos aqui uma confusão de poderes e atribuições funcionais, fora da competência normativa. A resolução, todavia, estaria altamente limitada à regulamentação, pura e simples, do estabelecido pelas leis federais e da CF.

Sair daí é invadir território alheio sem permissão. A resolução tem natureza jurídica de ato normativo. E ato normativo se subordina as leis ordinárias. Não há discussão nesse aspecto, portanto.

A hipótese da sobreposição não é tecnicamente possível. A regulamentação seria o caminho jurídico adequado.

Notamos uma clara interferência aos dispositivos contraditórios.

O CDC seria um exemplo. Já existe, nesse instrumento legislativo, as práticas de publicidades abusivas.A extensão dessas regras legais não nos parece juridicamente possível.

Apimento a nossa discussão convocando à mesa dos debates o artigo 220 da Constituição Federal. E nesse ponto constitucional o legislador disse que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.

E agora? Já ouço os nossos grandes advogados, dessas gigantes empresas do marketing, tomando o caminho mais tranquilo, através de uma ADIN.

Já vejo, modestamente, duas violações óbvias: o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

Eu estou balançando para os dois lados. Entendo os excessos nocivos aos infantes, como, de igual modo, os direitos a liberdade de expressão. Particularmente até acho que os pais deveriam exercer o papel da censura, mas sei como isso é difícil. Vivemos entre a cruz e a espada.

Penso que o assunto mereça maiores estudos e reflexões sérias. Precisamos encontrar um equilíbrio ético, sem que, também, o direito a liberdade de criação seja totalmente devastado.

Apenas as nossa crianças, nessa discussão, não podem sair prejudicadas. Já chega de tanta censura.

Deixo vocês, nossos leitores intelectuais e reflexivos, com a tarefa de colaborar com essa importante questão social.

Agora preciso ir. O dia está quente e vou dar um mergulho na minha piscina tone. E que marketing maravilho. Lembro que era e talvez ainda continue sendo, a alegria da garotada. Vive dias muito divertidos e alegres da minha infância mergulhado durante horas dentro da piscina tone. Era mesmo uma alegria.

Só peço que não acabem com a alegria da garotada. O Mc Lanche Feliz é muito legal, mas pode estar com os dias contados.

Que os deuses do bom senso nos ajudem aqui.

Márcio Aguiar é Sócio Fundador do escritório Corbo, Aguiar e Waise Advogados Associados.

9 comentários

  1. Verdade, Marcio. O mundo está chato. Na praia, por exemplo, quem vai fiscalizar o vendedor de picolé, quando ele esfrega, na cara das nossas crianças, aquele mostruário todo colorido e delicioso. No shopping, quem vai por tarjas pretas nas vitrines das lojas maravilhosas de brinquedos. Nos parques, quem vai mandar descolorir os balões e os algodões doces? Por outro lado, há os excessos, e a televisão é perigosa. Nos canais infantis das TVs fechadas, não há, nos intervalos dos programas, uma propaganda sequer que não seja de brinquedos. Minha filha se maravilha com aquilo. Acho que ela prefere os intervalos aos programas. Enfim, o mundo está chato.

    • Fernando: acho que agora a Xuxa vai dançar. Game Over para ela. E será que os programas infantis vão acabar? Eles vivem de publicidade. As bonecas da Eliane vão ficar encalhados nas prateleiras. Coitada da Barbie.

  2. Sem dúvida o mundo está enfadonho. Essa história de politicamente correto é castrador e acredito que anda castrando a criatividade e imaginação. É isso que tem deixado o mundo tão sem cor.
    Mas há uma pergunta que não quer calar: o que é piscina tone??

  3. Concordo com vocês. Está tudo muito chato. Mas ainda existe algo pior que os brinquedos. A massificação da eletrônica. As crianças querem um super smartphone, Um super video game. Será que parte da limitação não está ligada a isso? A ideia não seria fazer com que as crianças voltassem a brincar de pique-pega, pique-esconde, entre outras brincadeiras sociais?

  4. Desde já, me desculpe a extensão desse comentário, mas não me contive!
    Meu amigo Márcio, somos pais e sabemos quão difícil é educar. Uma arte que somente os santos, canonizados ou não, podem dominar. Mas nos esforçamos em praticá-la melhor, na mesma medida em que a exercemos sobre nós mesmos.
    Porém, com frequência a confundimos com a proibição. Proibir, além de ser mais simples e óbvio, é vertical, arbitrário e nada participativo.
    Tratando-se de política pública, o Estado conta com a prerrogativa da coação exercida pela lei, em sentido lato. Pode proibir o quanto quiser, pois, até que o faça, a liberdade dos cidadãos será a de fazer ou não fazer tudo o que as leis tenham deixado de tratar.
    Todavia, o prejuízo previsível está na clandestinidade, que não impedirá nossas crianças de brincar e ainda brincará com a conhecida ineficiência fiscalizadora dos agentes públicos.
    Há muita perversidade no marketing, que se vale do subliminar para iludir a transparência e clareza devida aos consumidores. Mas contra esse ilusionismo o Estado deve ser mais criativo e menos castrador. Um bom exemplo pode ser encontrado na política antitabagismo. Trataram de grafar imagens chocantes nas embalagens de cigarro e quase pintaram uma caveira de pirata para sinalizar o veneno do produto. Uma saída engenhosa contra um exército de mensagens subliminares em ação. Precisamos de algo assim.
    No caso do Mc Lanche Feliz, o meu “hummmm” não é para sabor… Em termos nutricionais, naquelas caixinhas coloridas a vermelho e amarelo, aguçando o apetite de marmanjos e da garotada, sequer há alimento! E nessa toada, nem a refrescância da Coca-Cola tem lugar, tamanha a sua nocividade!
    Muita coisa gostosa e prazerosa faz um senhor mal físico e psicológico, a médio e longo prazo. E quanto mais se estica a nossa expectativa de vida, mais legítimo se torna o questionamento da necessidade de se equilibrar a beleza da propaganda com a frieza das informações inerentes ao produto. Um lado da embalagem estará repleto das figurinhas mais engraçadas e divertidas; o outro deverá ter todos os informes relevantes, destacados em letras descentes, e não minusculíssimas.
    O que não admito, seja para as crianças menores, seja para as mais crescidinhas, de 50, 70, 90 anos, é a exibição, em horário em que toda a família está acordada, de um vídeo altamente bem produzido, com os desfile de corpos seminus ― or completely naked ―, esculpidos com a ajuda de maquiagem e Photoshop, estimulando o consumo de bebidas alcoólicas. No encerramento da propaganda, em fade out, numa transição de slide para o próximo clip, é dito na velocidade da luz, tudo interpolado:
    “MinistériodaSaúdadverte:consumexcessivod’álcoolpodecausarmalasaúde”
    Para termos uma política séria, de verdade, o comercial deveria ser regulamentado para que, a partir da sua metade, fosse comunicado o seguinte alerta, pausadamente, com aquela voz de aeroporto, em letras bem dispostas no display da tela e com a participação de um tradutor de Libras:
    “O Ministério da Saúde adverte: o consumo de bebidas alcoólicas está relacionado ao abandono de crianças, aos homicídios, delinquência, violência doméstica, abusos sexuais, acidentes e mortes prematuras. É causa de inúmeras doenças, como câncer de fígado e lesões cerebrais, além de dependência física, química e psíquica. Seu consumo irresponsável é prejudicial não só para o indivíduo como também para a sociedade.”
    Que o Mickey fique esperto!

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